Dia das crianças: elas defendem direito de brincar e já discutem coisa de gente grande

O fato de serem pequenos em estatura não quer dizer que não tenham percepção dos acontecimentos que transcorrem em seu entorno. A ingenuidade não é obstáculo para que crianças falem sobre seus sonhos, desejos, anseios, política e até de suas preocupações com as chagas do mundo. Esta reportagem conversou com 11 meninos e meninas, entre seis a nove anos de idade, que retrataram como é ser criança em nosso tempo. Eles mostraram simplesmente que são pequenos gigantes.

Muitos ali afirmam que são princesas e reis no mundo. Isso porque aprendem nos desenhos animados que o meio em que vivem é um reino e eles são protagonistas. Muito além do que a televisão propaga, o cotidiano também os leva a pensar assim. “Por que nós somos filhos de nossos pais e somos a preciosidade deles. Eu sou uma herança de Deus na minha casa”, disse o pequeno Yhan Henrik Oliveira, 8.

É nessa idade que o conto de fadas se confunde com a realidade. Talvez possamos até deduzir que elas já possuem noção entre o bem e o mal. Ser criança é se divertir muito, mas Nicole Saavedra, 9 anos, diz mais: “Porque é muito bom brincar e podemos fazer o que quiser. Podemos estudar e jogar, mas não podemos fazer coisas erradas”, destacou, porém.

E essa menina já quebra tabus desde a infância, pois tem a compreensão de que não existem coisas de meninos e de meninas, separadamente. Ela reflete esse pensar no que projeta para o futuro. “Eu quero ser jogadora de futebol, por que isso não é coisa só de menino, é de menina também. E eu gosto de correr. Gosto mais disso do que brincar de boneca”, afirmou. Eles querem ser médicos, dentistas, jogadores de futebol, mas o menino Geovany Silva, 9, quer ser astronauta. “Eu quero ir pro espaço, como um astronauta. Conhecer o que tem lá em cima, se dá para pegar o céu, saber se ele é como o vento que não dá para pegar ou se é duro, ou se é como água azul da praia”, disse. E Nicole pensa romper as barreiras da gravidade também. “Meu desejo é voar, voar sem nada que me prenda ou que me sustente. Como mágica. Tipo sem gravidade. Ser livre”, divagou.

Lobisomem toma o espaço do lobo mau

Não, eles não acreditam em lobo mau, mas sim em outra figura folclórica. O lobisomem, aquele ser que surge em noites de lua cheia e que uiva dentro das florestas, põe medo na garotada. Os meninos Geovany Silva, 8, e Wilson Carvalho, 9, sabem explicar direitinho como é um. Acompanhem o diálogo a seguir. “Eu tenho medo de lobisomem. Ele é todo preto. Eu vi ele na televisão, que mostrou que ele mora na floresta e que aparece quando tá tudo escuro. Eu não fico no escuro de jeito nenhum”, disse Geovany, e Wilson interrompe.

“Não, Geovany, ele também anda nas cidades. Eu já vi um lobisomem e ele estava dentro de uma casa que fica perto de uma lojinha na minha rua. Eu tenho medo de sair de noite em dia de lua cheia na minha rua por conta disso”.

Mas não é só de lobisomem que eles temem. Yan Henrique Saavedra, 7, admite que baratas voadoras fazem com que ele fuja de qualquer ambiente. Mas em algumas vezes ele se torna um super-herói. “Eu tenho muito medo de baratas e elas voam e querem morar no nosso cabelo. Eu só sinto medo delas porque picam e são nojentas. Eca! Aí eu pego aquele negócio que mata a barata e jogo nela”, disse.

E Gustavo confessa sentir medo de outro animal. “Tenho medo de sapo porque ele fica pulando e minha vó diz que não pode ficar perto de sapo porque ele pode fazer xixi nos olhos e a gente pode ficar cego para sempre”, admitiu.

“Eu sonho que estou no mundo da Disney”

Dizem que os sonhos são combustíveis para nossa alma e quando se trata de crianças, essa afirmação é bem mais preponderante. Elas detêm em seus olhares ávidos milhares de fantasias e desejos que gostariam de alcançar. “Eu sonho que estou no mundo da Disney, porque lá tem um monte de brincadeira, um monte de filme, um monte de coisas lá. Eu gosto da Minnie porque ela é muito boa. Ela ajuda, às vezes se esquece de fazer as coisas, mas no fim ajuda muito, muito, muito”, divagou Bruna Lima, 9.

Ir à Disney também é o desejo do menino José Roberto de Oliveira, 7, que ao ouvir a coleguinha falar sobre visitar o lugar, já mostrou que acredita que sonhos devem ser exclusivos apenas para aqueles que o sonham, pois é o desejo mais especial que possuem, apesar de serem difíceis de serem realizados. “Eu não sabia que ela quer ir pra lá não. O sonho é meu. Lá tem um monte de brinquedo. Mas só que é do outro lado do mundo. De carro a pessoa nunca chega”, disse.

O sonho de qualquer ser humano é poder realizar todos os seus desejos. Algumas vezes, sonhos são coisas simples e inocentes. A menina Rebeca Nascimento, 8, realiza um de seus sonhos todos os dias. “O meu sonho é brincar de boneca e tenho muitas delas. Eu sempre brinco com minhas amigas da rua e às vezes trago para escola para brincar com colegas da minha sala”, disse.

Mas Rebeca também tem um outro sonho, porém esse é mais complexo. Desde que nasceu, ela é criada com uma colega da mãe dela. Aos sete anos, sente falta de passar datas comemorativas com a mãe biológica. Ao desenhar o que é ser criança, emocionada, Rebeca expressou seu desejo mais profundo. “Eu queria passar o natal com ela, perto de uma árvore de natal, para poder enfeitá-la juntas. Eu queria chamar ela de mãe e que ela me abraçasse”, desabafou.

Esse também é o desejo do menino José Roberto. Num desenho, ele retratou como ele consegue ver a mãe que perdeu em um acidente automobilístico. “Eu sonho que ela está no céu, com cabelos loiros, de vestido e Jesus fala comigo e com ela, como se fosse uma luz forte”, disse.

Atualmente com sete anos, José, à época com quatro, estava no acidente que vitimou não só a mãe, mas também o avô e confessa que lembra daquele momento porque foi a última vez que viu a pessoa que ele ama. “Foi na Torre onde teve meu acidente. Meu avô estava dirigindo, aí o ônibus bateu no carro. Meu irmão quebrou o braço. Eu vi quando teve o acidente. Eu fiquei olhando e o carro estava cheio de sangue. Eu voei da janela, eu bati a cabeça no poste. Doeu muito. Estava meu avô que morreu dirigindo, minha mãe que está no céu, eu e meu irmão. Hoje moro com meu pai e minha madrasta, minha vó e meu tio. Eu lembro tudinho do acidente. Sinto falta deles. Mas hoje não tenho medo de andar de carro, porque meu pai tem um e a gente passeia muito com ele”, relatou.

Nesse grupo de crianças que a reportagem entrevistou tem dois meninos. Ambos têm algo em comum: amam carrinhos e sonham ter uma coleção e para sempre brincar de carrinhos, apesar das dificuldades. “É bom ser criança porque dá pra brincar de carrinho. E eu tenho muitos carrinhos. Mas a pessoa fica grandão, como é que vai brincar de carrinho? As costas vão ficar doendo”, disse Yan Henrique Saavedra, 7.

E a paixão por carrinhos faz extrapolar os limites do real e estimula a imaginação, não é mesmo, Yan Henrik? “Eu sempre sonho que sou piloto de corrida, tipo corrida de carro. O número do meu carro é 95 por conta do Relâmpago Mcqueen (animação da Disney). Aí eu queria ficar bem pequenininho e poder entrar nos carros de corrida de controle remoto e dirigir. E tinha que estar a 140km/h”.

Além da fantasia, eles criticam e já pensam em coisa séria

Não é apenas de fantasias que os pequenos gigantes pensam. Eles assimilam tudo que está ao redor, seja nas conversas que ouvem dos pais, das notícias que assistem na televisão ou até do que estudam na escola. Eles não compreendem ainda o significado e a importância das eleições, como processo transformador de uma cidade, de uma nação. Mas já sabem opinar sobre o assunto. “Eu não gosto das eleições porque no dia 5 de outubro tinha um monte de papel das eleições, com fotos de candidatos, jogados no chão, poluindo a cidade. Isso é errado. Eles não foram para a escola não? Eu aprendi que não podemos jogar lixo ou papel no chão”, afirmou Gustavo Richard Lima, 7.

A questão da limpeza ambiental é uma preocupação quase unânime desses garotos. É o que relata Nicole, que também demonstra outro desejo para a cidade de João Pessoa. “Eu queria que limpasse o mundo e que as pessoas não jogassem papel no chão, nos mares e nos rios da nossa cidade. É muito feio ir para a praia e ver garrafas de refrigerante e sacos de pipoca na água. Eu também queria que a cidade tivesse gente que não passasse sinal vermelho. Eu tava passando na rua quando o sinal tava vermelho e era para os carros pararem. Aí uma moto não quis saber e bateu em mim e me levou arrastando. As pessoas poderiam prestar atenção no sinal do trânsito”, declarou.

“Mas eu pediria que João Pessoa não tivesse mais violência. Porque às vezes os bandidos explodem os bancos e às vezes as pessoas morrem e eu não gosto”, disse Henrique Vieira, 9 anos .

Publicado originalmente no jornal A União