Nos últimos anos temos assistido grandes polêmicas em torno das programações juninas. Campina Grande, logicamente, está no centro do debate. Não que a Rainha da Borborema seja a ovelha bege a destoar do rebanho felpudo do entretenimento nacional. Mas, por ter se tornado uma referência de marketing ao criar o Maior São João do Mundo (foto). Atualmente, há quem diga que é o maior Não João do Mundo. Nascida na vigorosa cultura nordestina, a festa foi se distanciando da tradição. Praticamente todos os grandes mestres do forró passaram por Campina. Mesmo grandes artistas que, sem ter sua obra ancorada no autêntico forró, eram bebedores da diversidade cultural nordestina. No entanto, agora os ídolos são bem outros. A tradição junina e a imensa diversidade cultural se tornaram um detalhe insignificante. Ficaram no segundo plano.

Tenho escutado as explicações dos organizadores de algumas festas juninas. Argumentos exóticos, tipo: “temos que atender o gosto da juventude”. Ora, a explicação real deveria ser: “é isso que vamos empurrar para a juventude”. Afinal, o débito social com os jovens não é, absolutamente, uma questão de enquadramento musical. A geração Woodstok perdeu a fonte da eternidade faz tempo. Há uma exclusão cultural absurda em movimento, avançando cada vez mais. Os jovens estão no centro desse terremoto. Na medida em que o mercado impõe a supremacia de um estilo (vamos chamar de estilo para não perder a elegância), exclui todas as demais possibilidades de uma musicalidade reconhecida no mundo inteiro. Hoje, de norte a sul do país, prevalece o gosto musical imposto às multidões nas grandes festas populares. Principalmente no carnaval e no São João. Claro, nada é por acaso. Podemos sentir o cheiro forte de muitos interesses nesse cardápio de indigências e ostentações.
Alguns aspectos, no entanto, merecem uma análise mais demorada. Certamente não será neste momento. Mas, vejamos, por exemplo, a questão dos cachês milionários. Sempre se soube que os trios de forró cobram um preço mais elevado no período junino por se tratar do seu melhor momento, profissionalmente falando. De certa forma o argumento é justificável. Entretanto, já não é mais o forró que predomina. A coisa extrapolou. São artistas sem história ganhando cachês absolutamente fora da realidade. Pior que isso. Algumas produções trazem a marca da operação Pão e Circo da Polícia Federal tatuada na testa. Em tempos passados ouvimos dizer que o cachê da banda Calcinha Preta era 100 mil, mas cada músico recebia apenas 150 reais. Grandes e virtuosos artistas, muitas vezes, tratados como peões no xadrez da concentração de renda oculta pela iluminação dos palcos. Cito este exemplo, pois para onde vai o grosso do recurso ainda é um mistério sobre o qual não temos provas, mas temos convicções.

Mas, quem sustenta esse mercado tão “generoso” que estabelece até meio milhão de reais para uma hora e meia de palco? Fácil identificar. Esse mercado é sustentado do norte ao sul do país, pelo poder público – prefeituras e estados. Um fato não raramente atolado em denúncias de superfaturamento em cachês e distribuição de propinas aos gestores. Algo tão romântico que nem mesmo as plataformas da transparência conseguem driblar. Há uma espécie de pacto de fidelidade entre os que pagam e os que recebem. Acontece que, muitas vezes, nossos ídolos nem são assim tão éticos como pensamos. No mais, todo ano teremos polêmica quando um artista do forró tradicional ficar de fora de alguma programação prestigiada. Mas, no geral, estamos resumidos a isso: um silêncio condicionado por um contrato. No mais, nos faria muito bem enquanto nação, se começássemos a refletir mais amplamente sobre todos esses problemas. Afinal, a exclusão das tradições culturais é um fenômeno mundial. A intifada dos resistentes, também.