Brasil terá as primeiras eleições sem financiamento empresarial; entenda

Por Walter Galvão, do Jornal A União

Há uma nova tensão no ar. Não se trata de mais um impasse institucional. Surgiu como resultado da evolução natural das coisas e de necessidades urgentes da população brasileira. Mas representa um problemão para pessoas e instituições que tentam obter novas respostas fazendo as perguntas de sempre. Assim, fica difícil avançar na superação de problemas que surgem a partir de uma configuração alternativa à realidade com a qual sempre convivemos.

A nova tensão é essa provocada pelo fim do financiamento das campanhas eleitorais com dinheiro de empresas. Afirmam especialistas em marketing político, integrantes da Justiça Eleitoral, candidatos, analistas políticos e líderes partidários que a campanha ficará mais cara para todos os envolvidos direta e indiretamente, que aumentará o risco de fraude eleitoral, que o caixa 2 vai ganhar maior complexidade com desdobramentos nocivos das táticas clássicas da corrupção e que teremos mais uma lei que será sistematicamente desrespeitada.

Entre os avanços da corrupção, o que se diz é: como a doação será por pessoa física, obviamente haverá falsificação de CPFs, o que se tornará uma prática disseminada muito difícil de conter. Essa é só uma das maracutaias em incubação na chocadeira de maldades da política. A lógica dessa linha de raciocínio é: onde e como vamos buscar o dinheiro para manter o atual perfil das campanhas?

Pressupõe-se que se trata a campanha de um fenômeno social, político e cultural historicamente estabelecido. Como tal, não pode ser revertido quanto ao volume de atividades, os recursos tecnológicos mobilizados para guias eleitorais eletrônicos, os custos com infraestrutura e com a contratação das equipes de mobilização. Por que não pensar em mudar a metodologia adequando os meios para a comunicação eleitoral durante a campanha à nova realidade da limitação legal? De que forma o dinheiro poderia deixar de exercer a centralidade absoluta na eficiência de uma campanha para eleger um candidato?

Esses são os novos desafios que se impõem a partir das mudanças ocorridas no ano passado e que valem para o pleito desse ano. Como quase todo mundo sabe, a legislação eleitoral mudou. A nova lei, 165/2015, que operou mudanças nas leis 9.504/1997 (das eleições), 9.096/1995 (dos partidos políticos) e 4.737/1965 (Código Eleitoral), proíbe financiamento por pessoas jurídicas. Discutir a mudança é importante. Tem a ver com uma chance concreta de redução das desigualdades quanto ao poder de arregimentação do eleitorado, da promoção de ideais e da prática do convencimento na disputa pelos cargos eletivos.

Os estrategistas do marketing eleitoral projetam gastos mínimos para a eleição este ano de um vereador, em capitais de até 1 milhão de habitantes, em torno de R$ 1,5 milhão. Nas últimas eleições municipais, esses gastos oscilaram entre R$ 700 mil e R$ 800 mil em João Pessoa e em Natal (RN). Em 2014, os candidatos a presidente da República, ao Senado e à Câmara Federal, e aos parlamentos estaduais, segundo dados pesquisados nos registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), gastaram R$ 5,1 bilhão, quantia que pagaria quatro meses a todos os inscritos no Programa Bolsa Família.

Só ganha quem for muito conhecido ou rico. Um jogo absolutamente desigual na perspectiva da renovação de lideranças necessária à saúde do Estado democrático de direito. Além de reduzir a desigualdade, a reforma da legislação estabelece outra questão crucial: o seu inequívoco potencial de redução da corrupção ativa e passiva. Essa nova realidade acolhe princípios tidos como essenciais para prevenir desvios, princípios que foram definidos tanto na Convenção Interamericana contra a Corrupção, de 1996, quanto na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (2003). O Brasil assinou as duas.

Há um histórico perverso da participação das empresas em campanhas políticas relacionado a desvio de recursos públicos, fraudes contábeis, manipulação de votações, tráfico de influência, enriquecimento ilícito de agentes públicos entre outros atos que ferem as leis, afrontam princípios éticos e apodrecem a atividade política. Em 2010, a Suprema Corte dos Estados Unidos considerou inconstitucional qualquer legislação que limite gastos de campanha ou contribuição de pessoas ou de empresas. Invocou a Primeira Emenda por compreender que a doação de uma empresa é uma forma de livre expressão. Proibir ou limitar as doações seria um ataque à Constituição.

Aqui no Brasil, por compreender que nas doações por empresas “pode haver uma influência negativa e perniciosa sobre os pleitos, apta a comprometer a normalidade e legitimidade do processo eleitoral, além de comprometer a independência dos representantes – criando assim, um desequilíbrio entre os partidos, baseado na relevância dos recursos financeiros dispendidos no processo”, o STF achou por bem contrariar a máxima do revolucionário de 1930, e conspirador de 1964, Juracy Magalhães. Ele disse: “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. #sóquenão, decidiu a nossa Suprema Corte. A história há de confirmar a justeza da decisão.

(Publicado em A União, edição 06 de abril de 2016)