A polêmica criada em torno do escândalo da obra da Lagoa rompeu as divisas da Paraíba. É o que revela material publicado pelo auditor da CGU (Controladoria Geral da União), Kleberson Souza, no site Supremacia Treinamentos – especializado em promover o desenvolvimento socioeconômico dos municípios e dos estados brasileiros.
Publicado há pouco mais de um ano, o material utilizado pelo auditor da CGU no site Supremacia Treinamentos, cita a Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) e a empresa Compecc Engenharia, Comércio e Construções LTDA. para ilustrar o curso/treinamento sobre fraudes em licitações.
“Na licitação realizada pela PMJP, em análise do quadro societário presente no contrato social das duas empresas, foi constatado que o engenheiro, sócio-administrador e responsável pela empresa Compecc Engenharia, Comércio e Construções LTDA., também foi sócio fundador da empresa Fortaleza Peixes e Crustáceos LTDA, desde a abertura dessa empresa, em 13/11/2002, até a data da sua baixa, em 19/11/2012…”, cita o auditor federal.
Clique aqui ou leia abaixo o material completo disponibilizado no Supremacia Treinamentos:
Fraudes em Licitações – Atestados Falsos
Meu nome é Kleberson Souza, sou auditor da CGU há mais de 10 anos, pós graduado em Direito e Controle Externo pela FGV, autor do Guia de Integridade das Estatais Federais (manual anticorrupção), publicado pela CGU em dezembro de 2015. Já participei de diversas operações de combate a fraudes e corrupção em parceria com a PF e MPF.
Hoje vou falar com vocês sobre o tema fraudes em licitação. Na matéria publicada no dia 20/05/2016 pelo Jornal da Paraíba, foi noticiado que a Prefeitura Municipal de João Pessoa – PMJP aceitou documento expedido por empresa fantasma, apresentado durante a fase de qualificação técnica de uma licitação, realizada com objetivo de contratar empresa de engenharia para “reabilitação do parque Sólon de Lucena”, no valor total de R$ 19.134.931,50. Segundo a matéria, o documento apresentado era um atestado de capacidade técnica emitido em 01/11/2013, porém, a empresa já estava baixada desde 19/11/2012.
O que deve fazer o comprador público ou auditor quando se depara com uma suspeita de fraude em um atestado de capacidade técnica? É esse o tema de nossa conversa.
Em uma licitação, a Administração Pública faz diversas exigências consignadas no edital de licitação, entre elas, a qualificação técnica. A exigência de qualificação técnica para habilitação de empresas licitantes deve sopesar dois aspectos: garantir que a empresa contratada está apta a executar o objeto e evitar que se fruste a competitividade do certame licitatório em decorrência da constrição do universo de licitantes. Essa exigência é comprovada por meio deapresentação de atestados de capacidade técnica.
Veja o que aconteceu na licitação da PMJP. A empresa Compecc Engenharia, Comércio e Construções LTDA apresentou o seguinte atestado de capacidade técnica para comprovar sua experiência no objeto que estava sendo licitado:
Quando houver dúvidas quanto a idoneidade desses atestados, o § 3o do art. 43 da Lei no 8.666/93 facultada à Comissão ou autoridade superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo.
Pois bem! Minha primeira dica para confirmar a autenticidade do atestado é verificar se a empresa que o emitiu existe juridicamente junto ao órgão fiscal. Para isso, basta pesquisar nos seguintes endereços: (www.receita.fazenda.gov.br > serviços para a empresa >cadastros > comprovante de inscrição e de situação cadastral no CNPJ> acesso direto ou com senha específica) e no SINTEGRA (www.sintegra.gov.br > escolher estado >). O resultado da consulta para a empresa que emitiu o atestado (Fortaleza Peixes e Crustáceos LTDA) está demonstrado na imagem a seguir:
Pela análise do documento denominado “certidão de baixa de inscrição no CNPJ”, não temos dúvida que a empresa que emitiu o atestado não existe mais. Assim, em 01/11/2013, quando o atestado de capacidade técnica foi emitido, a empresa Fortaleza Peixes e Crustáceos LTDA não mais figurava no mundo jurídico, em razão da baixa de seu registro ocorrido desde 19/11/2012, descumprindo a exigência do edital licitação, por meio da qual ficou estabelecido que os atestados deveriam ser emitidos por pessoa jurídica de direito público ou privado.
Além disso, o comprador público ou auditor pode diligenciar a empresa licitante para que apresente cópia do contrato, notas fiscais e Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência – GFIP que evidenciem a efetiva execução do objeto que serviu de base para a emissão do atestado.
Outra recomendação é verificar se existem vínculos empregatícios na empresa que emitiu o atestado. Essa consulta pode ser realizada em bases de dados como a Relação Anual de Informações Sociais – RAIS (Consulta formal encaminhada ao Ministério do Trabalho), Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS (Consulta formal ao INSS) e GFIP – Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social (Consulta formal à CEF). A inexistência de vínculos empregatícios na empresa que emitiu o atestado pode ser indicativo de empresa de “fachada”, “fantasma”, o que resultaria na caracterização de fraude na emissão do atestado de capacidade técnica.
O comprador público ou auditor também pode verificar se existe relacionamento entre a empresa que emitiu o atestado de capacidade técnica e a empresa licitante. Essa é outra dica importante. Verificar endereços, telefones, e-mails, quadro societário, responsáveis técnicos, representantes e procuradores em comum; responsáveis técnicos registrados no CREA, CAU ou outro conselho profissional (consultar o site da entidade local); vínculos em redes sociais como o Facebook são formas de evidenciar emissão de atestados falsos.
Na licitação realizada pela PMJP, em análise do quadro societário presente no contrato social das duas empresas, foi constatado que o engenheiro, sócio-administrador e responsável pela empresa Compecc Engenharia, Comércio e Construções LTDA., também foi sócio fundador da empresa Fortaleza Peixes e Crustáceos LTDA., desde a abertura dessa empresa, em 13/11/2002, até a data da sua baixa, em 19/11/2012, conforme mostrado no gráfico a seguir:
Não menos importantes, indico outras consultas que poderiam ser realizadas: portal da transparência do governo federal, com objetivo de verificar se os sócios da empresa que emitiu o atestado recebem algum tipo de benefício social, como bolsa-família, seguro defeso (para pescador artesanal), etc, pois poderia indicar que se tratam de interpostas pessoas (laranjas); google maps, para confirmar o endereço da empresa emissora do atestado, buscando avaliar se a mesma dispõe de estrutura operacional e condições compatíveis com o ramo de atividade que executa.
Dessa forma, considerando que a empresa licitante se utilizou de empresa baixada, sem regularidade jurídica, pertencente a um dos seus sócios, conclui-se que o atestado emitido e apresentado na licitação realizada pela Prefeitura de João Pessoa é inidôneo, falso, caracterizado no entendimento do TCU como fraude à licitação.
Por fim, consoante a jurisprudência consolidada do Tribunal de Contas da União, a mera apresentação de atestado com conteúdo falso caracteriza o ilícito administrativo previsto no art. 46 da Lei Orgânica do TCU e faz surgir a possibilidade de declarar a inidoneidade da licitante fraudadora. Tal posicionamento foi afirmado pelo Plenário do Tribunal ao proferir os Acórdãos nº 2179/2010 e 1940/2011.
No nosso curso de Combate à Corrupção em Licitações: Técnicas de Detecção de Fraudes explicamos com mais detalhes outros caso de situações de fraudes em licitação.
Até a próxima!!