As tenebrosas ligações do governo interino e o papel da imprensa na elucidação dos fatos

As manchetes dos jornais brasileiros enfiaram as garras esta semana na carcaça quente dos desacertos, desrespeitos, preconceitos, e até escândalos, produzidos pela interinidade presidencial que se agarra feito fungo ao Palácio do Planalto. É um governo apropriado à micologia.

Recordar é viver. Por isso, lembro aos esquecidinhos que micologia é o estudo dos fungos. Nada a ver com micos feito aquele que o presidente interino pagou ao pensar que estava conversando com o presidente da Argentina num programa de rádio portenho.

Voltemos, então, aos micos, quer dizer, aos fatos do Governo Federal interino. Entre os desacertos está a formação do Ministério 3D. Em alto relevo holográfico e com som dolby surround salta aos olhos a tridimensionalidade ministeriosa: numa dimensão, está a equipe econômica (que anunciou ontem medidas que paralisam a gestão pública), cheia de moral, e aplaudida internacionalmente; na segunda, o bloco dos sujos formado pelos ministros e auxiliares investigados pela Lava Jato; a terceira dimensão, com forte imbricação com a segunda, é a definida pelos indicados do presidente afastado da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha.

O Ministério, portanto, é um desacerto que é desrespeito. Já o preconceito vai por conta da exclusão, na equipe, da diversidade cultural, étnica e de gênero patrocinada pelo presidente interino. Quanto a escândalos, esse protagonizado pelo ex-ministro Jucá vale por muitos: conspiração contra a Lava Jato, tráfico de influência, obstrução da Justiça, quebra de decoro…

A era da interinidade é, portanto, um prato cheio para a imprensa. Não seria diferente em qualquer lugar do mundo. A “Folha de S. Paulo” abriu na segunda-feira a temporada de caça à notícia premium, aquela que atrai, abala, conscientiza, diverte e vende.

E deu a senha do tom à praça com a divulgação dos áudios do diálogo do desconstruído ministro Romero Jucá com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. E que vazamento. Então, as manchetes aconteceram. No alvo, o ponto crítico de ruptura do lulopetismo com a operação cotidiana do poder: o momento Temer.

Imprensa: Negócio legítimo

A imprensa livre na democracia de mercado vive de fatos. De fatos interessantes por revelarem as acrobacias dos grupos sociais na marcha da história, e relevantes por moldarem uma forma crítica de entendimento das coisas. A imprensa transforma o fato, que é um bem público, na mercadoria notícia.

O século XX foi pródigo na disseminação dos meios comerciais de comunicação que se transformaram em conglomerados industriais do tipo Viacom e Grupo Globo parceiros de outra indústria, a da propaganda. Só a propaganda faturou em 2014 no Brasil R$ 47 bilhões. Já o Grupo Globo obteve receitas de R$ 16,2 bilhões no ano passado.

O jornalismo é um modelo de negócios agora em mutação rápida. Mas um negócio legítimo. Uma empresa. Não como outra qualquer: propõe um parâmetro incrível para a eficácia do que produz. Esse parâmetro ou paradigma é nada mais nada menos que a verdade.

Para os grandes grupos, as razões de mercado se impõem às razões de consciência da ética jornalística com seu tripé feito de verdades, precisão e direito ao contraditório.

E são essas razões, as de mercado, e no caso do jornalismo as metas altíssimas de faturamento, que impulsionam as empresas, e também muitos jornalistas, a pactuarem vieses na cobertura que equivalem a manipulação dos fatos contra o princípio ético mínimo que é também técnico, mas máximo enquanto técnico, da veracidade do que está impresso e do que é transmitindo.

Críticas e uma defesa

Desde 2013, ano emblemático para as relações de poder, sociais, políticas e de comunicação social no Brasil, quando as populações saíram de Norte a Sul em passeata contra o establishment político, exigindo ação contra as crises econômica e política, a imprensa nacional está sob observação crítica. E as maiores críticas vêm dos próprios jornalistas conforme se pode ler a seguir. Ler e refletir.

“Reparem: a nossa imprensa serve ao poder porque o integra compactamente, mesmo quando, no dia a dia, toma posições contra o governo ou contra um outro poderoso. As conveniências de todos aqueles que têm direito a assento à mesa do poder entrelaçam-se indissoluvelmente”. (Mino Carta, jornalista).

“O abuso de reportagens baseadas exclusivamente em fontes mantidas em sigilo tornou-se a regra. Vazamentos com objetivo manipulatório foram a tônica. Parodiando o poema trágico de Murilo Mendes, essa mídia nativa, em busca de sobrevivência, nasceu para a catástrofe. (Mario Vitor Santos, jornalista, a propósito da cobertura da Lava Jato).

Embora a maioria dos jornalistas rejeite e condene as práticas mais duvidosas da profissão e reconheça a existência inevitável de vieses, mesmo em um tratamento da informação que se pretende honesto, eles pensam que, apesar de todas essas dificuldades e de todas essas deformações, nada é pior que o silêncio. (Patrick Champagne, sociólogo). Até a próxima.

(Reprodução de o jornal A União, 25/05/2016)