50 anos de Persona: ícone do cinema experimental

Em 1966, o diretor sueco Ingmar Bergman, já um cineasta de prestígio internacional após filmes como “Morangos Silvestres”, “O Sétimo Selo”, a Trilogia do silêncio, lançou a obra que seria marcante na sua filmografia em vários aspectos: Persona, traduzido para o Brasil com o bizarro título de “Quando Duas Mulheres Pecam”.

Foi o ápice da sua experimentação estética até então, um marco para a cinematografia mundial e a primeira de uma frutífera parceria com a atriz Liv Ullman – na vida e na arte. É um filme onírico, cheio de camadas, faz com que o espectar imerja nas emoções mais densas e corrosivas, visita os recônditos mais íntimos da alma humana.

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Liv Ullmann (à direita) e Bibi Anderson (à esquerda) personificando a atriz Elisabeth Vogler e a enfermeira Alma, respectivamente. Duas representações do feminina e da persona que coabita e une ambas.

Liv Ullman e Bibi Andersson, ou Elisabeth Vogler e Alma, duas mulheres que são uma só. As duas personas que duelam e convergem: se entrelaçam, interseção da psiquê. O filme traz o dilema existencial de uma atriz, a citada Elisabeth Vogler, que se cansa de interpretar papéis dentro e fora do palco e entra em estado de profunda introspecção, recusando-se a interagir com as pessoas e com o mundo. Tenta buscar refúgio de si mesma e de todo o resto ao viajar acompanhada da enfermeira Alma para uma casa de praia que, simbolicamente, representa uma ilha, um refúgio da civilização e suas inter-relações opressivas e artificialmente construídas.

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É possível encontrar paralelos com a nossa condição humana: a coerção social, a imagem com que os outros nos veem e que nos inflige uma série de comportamentos e posturas, as ações triviais a que somos impostos para conviver, mesmo as que vem travestidas de vontade. Até que ponto conseguimos viver sem máscaras, sem interpretar papéis emocionais, sociais e até psicológicos para agradar e construir convergências? Quantas personas existem dentro de nós? Somos tudo isso ou apenas uma parte diante do fluxo das identidades – que flutuam, se reconstroem e se liquefazem numa velocidade alucinante?

“O irrealizável sonho de existir, não o de parecer, mas o de SER”, diz a médica sobre a tentativa de Elisabeth de abdicar da interpretação em todas a cearas. A existência pura, orgânica e consciente é possível? São questionamentos perenes e sem uma resposta peremptória. A descoberta está no interior, no sensorial, mas que na racionalidade. Como se sentir você mesmo?

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O rosto de Elisabeth (Liv Ullmann) e Alma (Bibi Anderson) justaposto num só: personas que convergem através de uma alegoria visual.

Na foto acima, vemos uma cena clássica de Persona, grande expoente da fase experimental de Bergman. A justaposição simétrica e orgânica dos rostos no frame cinematográfico, feita em 1966, com uma tecnologia analógica, para representar alegoricamente a dualidade e a convergência entre as personas é um dos ápices do filme, impressiona pela beleza e pela força corrosiva e perturbadora. Até que ponto damos vazão as nossas personas? Em que medida elas se auto-influenciam? A descoberta é intrínseca e contínua.